segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Carta para Samora Machel (#1)

Prezado Camarada Samora Machel;

Não te escrevo por termos sido companheiros de trincheira na altura da chuva das balas e de obuses no mato onde salvou quem salvou; nem por termos sido camaradas na altura do aperto do sinto aquando da sua governação; e nem por ter sido seu opositor aquando da distribuição da riqueza o que incitou a guerra civil dos dezasseis anos. Apenas sou um simples cidadão que te resgato de alguns arquivos do passado. Sou filho de pais bastardos de pobreza. Nasci anos depois de teres tornado Moçambique, num Moçambique independente do jugo colonial. E quando a minha inocência de pensamento entre abria-se das cortinas da infância, no som das vozes das crianças deambulando sem escola fixa, sem tecto fixo, até sem lareira fixa para cozer no mínimo uma panela de matapa sem amendoim para entreter o som do estômago, a notícia da sua morte chegou-me veemente naquela manhã de dezanove de Outubro de mil novecentos e oitenta e seis…

Camarada Samora, como disse, viajei em alguns arquivos, perseguindo alguns passos do teu pensamento; resultados de tuas acções; chamas das tuas intervenções… E como amigo fiel de quase todo seu pensamento, hoje escrevo-te acerca de um dos assuntos que eras veementemente implacável, a corrupção.
A corrupção no aparelho do estado tomou conta de todos os quadros, do guarda ao director, do director aos teus sucessores. É como se fosse uma pandemia… em que todos ficam contaminados mesmo com medidas preventivas. Podia ainda comparar-se com uma tempestade que varre todos e tudo, deixando apenas ruínas.
A situação é grave. Olhando para os camaradas que contigo militaram e contigo geriram os problemas do país, hoje são obesos, ricos e até mal-educados que desrespeitam a dignidade do povo. Pois falam alto nos ouvidos do povo, que eles têm direito de enriquecer porque libertaram este belo Moçambique. Camarada Samora, eu estou tão chocado com estes desmandos. Você morreu pobre por servir o mesmo povo, não foi? Hoje já não é o dirigente que vive os problemas do povo e traça estratégias de intervenção. É o povo que vive problemas dos dirigentes e oferece seu sangue e suor para resolve-los. O povo tornou-se num simples instrumento propício que os dirigentes usam para ficarem estrondosamente ricos. Não digo que as coisas deveriam ser como ontem. Como sabes as sociedades não são estáticas. Mas eles deviam ter um pouco de vergonha. Ou no mínimo vestirem o casaco humano em prol da humanidade, pois, é o povo que lhes legitima esse poder. Espero que um dia esse povo se coloque no devido lugar e faça justiça necessária para salvar a sua dignidade e respeito pelos direitos humanos.
Por causa dessa corrupção, cantada mais que combatida ou seja cantada implantando-se sofisticadamente, as populações pegaram veementemente na moda de linchamentos substituindo as execuções sumárias… Pode-se considerar que perderam confiança dos serviços prestados pela polícia da Republica de Moçambique, como avança o professor Carlos Serra nas suas intervenções sobre o fenómeno de linchamentos. Só para teres uma ideia clara do grau de eficiência desta polícia: quase todos oficiais, comandantes, generais, etc., são demasiadamente obesos. Até há casos de simples guardas da segurança pública que também herdaram a obesidade. No seu tempo, esses homens não seriam xiconhocas? A serem destituídos em plenos olhares populares?
No seu tempo, esses homens eram dotados de uma forte disciplina física, mais forte que o criminoso. E não hoje que tudo joga contrário: polícia obesa, polícia criminosa, polícia faminta - percorrendo quilómetros com sapatos empenados e com estômagos furados como a sola do próprio sapato. Mas há uma coisa interessante. Apesar de obesos correm, correm que nunca cansam. Que sempre quando correm, a vitória almeja-se! Mas que vitória? A vitória da mola embrulhada nos bolsos invisíveis que solta os criminosos e encarcera a corrupção cada vez corrupta nas celas do comando, da cadeia civil ou mesmo da BO.

A corrupção continua. E a luta não se faz sentir. Nas pescas por exemplo, tem super barcos sem licenças a capturar mariscos em cada onda que se abate sobre o mar. Homens do além pescando o pescado do povo nessas belas baías e praias onde o simples moçambicano já não espreita o nariz para buscar a frescura que lhe pertence. São ordens superiores que ordenam embrulhados no perfume do dólar. No seu tempo, esses criminosos pagavam uma moeda cara, não é?

A corrupção soma e segue. E a luta enfraquece na moeda do metical ou do dólar. Nas florestas, as madeiras tombam sem licenças, entram em contentores, atravessam estradas e navegam pelos mares e oceanos aos continentes do além. E o povo pertença desses recursos, dorme na melodia de combate contra a pobreza, combate contra a corrupção. Enquanto a corrupção, essa corrupção, corrompe até a própria corrupção. E a pobreza do povo, essa pobreza cantada, torna-se uma mina para ajudas externas que só vêm enriquecer cada vez mais os ricos que nunca se cansam de cantar: luta contra a pobreza absoluta; luta contra a corrupção…enquanto isso erguem a riqueza, uma riqueza para minorias. E uma pobreza para maioria, nós o povo!

A corrupção acelera a velocidade. E o gatilho da arma encrava frequentemente. Nas obras, as obras ficam obras até se transformarem em ruínas. E o dinheiro, dinheiro de impostos do povo, some com os empreiteiros que penduram as obras em obras de arte do estado. E algumas daquelas que são concluídas, o preço do seu custo normal vêm a quadruplicar! Mas as obras das casas, não das casas, das mansões dos…nunca perdem um minuto de interrupção, aceleram-se do acelerador do metical e gratuitamente deslizam da força do homem sem salário, porque se tem salário, nunca alimenta-se condignamente mais que o cão do patrão.

A corrupção agudiza-se. E as chamas da luta, abrandam… As compras do estado, são compras mais que compras. Exemplo, se para mim um carro custa cinco mil meticais, o mesmo custa para o estado quinze mil meticais…

Camarada Samora, por hoje fico por aqui. Não é possível trazer-lhe tudo sobre a corrupção neste pais que libertaste. Como sabes, o país é grande… Apenas quis lhe dar de uma forma informal, um cheirinho sobre esta situação. Espero que a tua alma fervorosa, morta pelos gananciosos que nunca serão revelados enquanto continuar este regime, descanse em paz. E que os seus pensamentos, sejam a luz inspiradora para os jovens adestrados pelas mordomias da vida. Nesta vida que só andam a reboque. Reboque de ideologias…

Na minha próxima carta, irei-lhe trazer um outro assunto.



Do seu admirador secreto
Inhambane, 15 de Novembro de 2009

A Luta Continua!

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