segunda-feira, 1 de março de 2010

Dentro da realidade e mais distante da verdade

Estive dentro da realidade. Uma realidade que pasma o sofrimento da própria espécie humana. Uma realidade que sacode a lucidez e deixa o juízo repleto da sensibilidade humana mas apenas para quem é humano que mesmo dentro do pasto político segue o caminho da liberdade. Nesse pasto em que todos tendem a obedecer a voz e as regras do grande pastor. Mas que obediência? Afugentar longinquamente a verdade dessa realidade e vestir as máscaras que enterram a ciência e deixam zombar ideologias…apenas para lhes deixar o estômago repleto de banquetes.

É real o que o povo vive na gamela da vida. Nessa penumbra que se perambula de lês a lês, sacudindo as florestas para disputar a fruta silvestre com os animais selvagens. Disputar os pântanos, as lagoas, os rios, até charcos para se ter uma gota de água - quando não chove o drama é maior para encontrar água, pois, muitas lagoas secam. Em alguns sítios onde tem fontenárias estão avariadas. Mas há sítios onde nunca ouviram falar de fontenária. E quando chove alguns sítios a população corre para os charcos para lavar roupa ou mesmo encher bidões para servir de consumo. E já se imaginou que acontece quando se regista uma seca prolongada?

São dezenas de quilómetros que em muitos cantos deste país, lá onde a rádio não chega, lá onde o “xapa 100”não chega, lá onde a manteiga não chega, lá onde o frango não chega, lá onde chega nenhum sinal da rede móvel, etc., o povo rasga dezenas de quilómetros á busca de tudo que nada encontra. É uma verdade negada mas uma realidade patente: milhares de famílias em estado primitivo vivendo plena miséria, uma miséria repleta de miséria no pasmo de nada senão suas machambas secadas pela seca. Lá onde sequer o extensionista agrário chega.

Os serviços de saúde (unidades sanitárias de referência) em algumas zonas (Funhalouro e Mabote) distam entre 40 a 120 km de algumas aldeias. Mas algum esforço é feito para que mensalmente uma brigada móvel de saúde se desloque a essas povoações para uma assistência á população. E como é que são feitas as urgências? Haverá espaço para isso? Só os deuses nos podem dizer.

Já os serviços de educação, as crianças chegam a marchar entre 10 a 20 km á procura de uma escola com salas de aula totalmente precárias – no interior dos distritos de Mabote e Funhalouro muitas salas de aulas são sombras de árvores. Em alguns locais a população ainda consegue dar jeito a partir do material local: salas com tetos mas sem paredes ou com paredes mas sem tetos. As casas dos professores estão em péssimas condições comparadas com algumas capoeiras nas zonas urbanas. Não há carteiras nas salas de aulas senão troncos estatelados ou ainda pendurados em cima doutros que roçam os rabos das crianças. Enquanto isso a motosserra, o machado, a catana, o tractor e o camião desbravam e saqueiam sem escrúpulos a madeira para destinos do além.

Não há comunicação de rede móvel. As unidades sanitárias do interior é que têm rádios que podem comunicar-se com a sede distrital ou com a direcção provincial de saúde. A rádio funciona através de um sistema de energia solar. O sinal da emissora nacional em muitos sítios não chega. No entanto, em alguns sítios, ainda conseguem sintonizar emissoras sul-africanas.

Não há transporte de passageiros. O burro e a bicicleta são os meios de transporte que rasgam dezenas de quilómetros para servir de ambulância ou transporte de mercadoria. Em algumas povoações as populações pernoitam uma a duas noites para chegar a sede do distrito. E em alguns casos essa distância é para ir a uma unidade sanitária mais próxima.

Em alguns sítios os mercados distam entre 5 a 20km, exemplo: Ribwi a Zimane, 26km (no interior do distrito de Mabote). Às vezes percorrem esses quilómetros para comprar um fósforo ou um quilo de açúcar. Alguns ainda percorrem para tomar um dom barril ou tentação caso queiram descansar a pura aguardente ou outras bebidas de origem tradicional. As casas estão bem distantes duma das outras. Há zonas onde o vizinho chega a distar-se entre 2 a 5km.

E o registo de nascimento? Muitas crianças até mesmo adultos não têm um documento de identificação. O documento mais comum entre os adultos é o cartão do eleitor. E para as acrianças - aquelas que as mães conseguem dar parto numa unidade sanitária apenas tem a ficha de registo pré natal. Em algumas situações as crianças chegam a perder a oportunidade escolar por falta de um documento (cédula pessoal, certidão de nascimento, B.I., etc.).

E o emprego? Poucos são os funcionários do estado nas diversas áreas de intervenção pública. O resto está no sector informal senão desempregados. Já aos que auferem salário no final do mês enfrentam um dilema para ver suas migalhas em suas mãos., pois tem que confiar terceiros para que isso seja possível: o cartão é entregue ao colega ou a uma outra pessoa que se julgar de “confiança” – não que seja de confiança mas que rume ao destino onde se pode encontrar uma instituição bancária para efectuar transacções. Nesse sentido, deixa de ser um cartão particular/privado e passa a ser público uma vez que pode em menos tempo passar de muitos utilizadores. (com destaque no interior e na vila sede do distrito de Mabote e Funhalouro). Nisso tem se acompanhado relatos de que algumas pessoas que são confiadas para efectuar transacções fazem primeiro operações para seus bolsos…

No interior alguns professores conformados com a realidade, regam constantemente as gargantas com álcool onde as mãos disputam o giz e o copo. E o resto da população depende do corte de estacas de simbire onde são vendidas entre 8,00Mts a 15,00Mts-dependendo da zona ou seja, quanto mais para o interior mais barato é. Alguns vão se integrando aos trabalhos eventuais no corte de toros de madeira ou em pequenas serrações. Alguns ainda se dedicam a caça. Algumas populações das povoações das vias que dão acesso as vilas distritais dedicam-se ao corte de carvão. Nesses locais ainda é possível ver crianças, mulheres e homens pendurados com galinhas na mão em troca de um determinado valor. Tudo isso para ter algum para suprir o básico.

Já nas vilas de Mabote e Funhalouro a diversão é diária. Há maior poluição sonora. E o público alvo são crianças e adolescentes. Toca-se em barracas ou em quiosques. Lá aprende-se tudo: álcool, nicotina e sexo. A energia é fornecida através de grupos geradores (das 18horas até 21horas). Em Mabote é difícil ver e comer verduras de folhas de feijão nhemba, folhas de abóbora, matapa, etc.

Os produtos predominantes nos dois distritos são: castanha de caju; madeira: chanfuta, umbila, simbire, sândalo, etc. Em algumas zonas tem serrações montadas que fazem o processamento da madeira. Mas em muitos casos os toros de madeira viajam para as cidades de Maputo, Joanesburgo e até países asiáticos como a china.

As infra-estruturas nas vilas são de péssima qualidade. As únicas com aspecto diferente são os palácios dos administradores, os centros de saúde e alguns edifícios escolares. O que resta não obedece nenhum padrão de arquitectura. As barracas perfilam desordenadamente pelo centro da vila.

São essas as condições que muitos de nós irmãos desta pérola do Índico vivemos. E os outros irmãos???

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