terça-feira, 22 de março de 2011

Revistando as raízes I

Prezada Mae,

A esta hora deves estar com a costela namorando a esteira do chão, com os braços atados na almofada que garantem o tombo da cabeça, mas porque as ordens de mãe-filho mandam, o que me resta é romper as barreiras impostas pela escuridão, encurtar a distância, esquivar a rota dos feiticeiros, fazendo chegar esta breve carta, que sem dúvidas já chega atrasadinha.

Mãe, a minha viagem correu muito bem, pelo caminho cruzei com um senhor que apreciou prazerosamente àquela fruta que me ofereceste, a melância. Interrompeu-me a marcha, questionou-me da minha proveniência e sobretudo da fruta. Dei-lhe todas as indicações para que pudesse chegar em casa saciar-lhe esse desejo. Será que lhe procurou? As maçarocas, o amendoím, a cacana e a hotaliça de feijão nhemba escaparam da gula dos olhos daquele monstruoso homem por estarem encolhidos silenciosamente dentro da mochila pelas costas.

Os chapas 100 comportaram-se bem, até que consegui chegar a casa sem nenhuma tagarelice dos mal educados de cobradores, exceptos a ventania e a poeira avermelhada que intalaram-me o corpo pela carroçaria, no delirioso chamboco dos buracos naquele trouço até a estrada nacional. Mas antes, dizer-lhe que naquele trouço de Cambine, vi montões de areia e homens parecendo estar a cavar a rua. A uma distância via-se uma enorme fila de mulheres carregadas de bidons de água. Fiquei com a memória estática! Mas uma voz feminina ao lado, socorreu-me gritando que aquelas mulheres vezes substituem o carro sisterna que quando quer avariar nunca avisa. Logo apercebi-me que eram dessas operações de reabilitação das vias de acesso, que em breve essa acção fará-se circular veementemente pelos órgãos de informação, congratulando os esforços feitos pelos nossos compatriotas, que vergonha, hein?!

Já na baía, o Barco Baía de Inhambane estava lotado e ensaiva a marcha de partida, tive que esperar uns 40 minutos pelo Barco Magulute, que parece ter sido eficiente. Nesse tempo, assistia aqueles bancos de areia despidos pela água, pescadores baloiçando nas canoas na caça do peixe que no final de cada jornada invadem os mercados para trocá-lo com alguns tostões para suprir suas necessidades. Também apreciava o movimento de outros passageiros que se punham em marcha naqueles barquinhos que jamais quero saber falar deles. Da próxima te conto sobre eles... O calor fazia daquele sábado um dia quente, impelindo aos corpos a refugiarem-se aos cânticos da brisa pelas lindas praias que esta nossa bela província oferece. Pena andar em contra tempo de não puder levar-te a uma dessas praias. Talvez um dia possamos pensar bem sobre isso, que achas?

Em casa a tua nora corria com seus afazeres quando lhe surpreendei com um bater manso da porta, que pela hora, não imaginava que pudesse ser eu, mas zás!!!...
Mas mãe, não se chateia que estou terminando esse fala-fala, o problema é que eu não consigo não contar-te tudo, ou seja, sintetizar não é nada comigo, isso é coisa de poetas que em três ou quatro palavras desenham a dimensão do significado de um determinado contexto...

As noites foram passando, mas sempre pensativo sobre aquela conversa que tivemos. Tentei a todo custo para examinar a situação, mas no fim de cada odisseia, parece que tinha que dar razão aos factos, aliás, essa nossa doutrina tradicional em que tudo tem base nas experiências do quotidiano, nos espíritos interpretados pelos curandeiros que são os guias da nossa relação com os defuntos e feiticeiros. Mãe, jurro que até hoje não entendo como é que uma pessoa, através da tal bruxaria pode barrar a saída de água naquele poço que homens e mulheres, debaixo do sol estão ardendo a pele e as veias na esperança de ver o líquido saindo, para minimizar aqueles doze quilometros em que a lata ferimenta a cabeça das mulheres e deixa os miolos bêbados e mais dopados para obediência dessa masculinidade socialmente poderosa? Será que o Nhamussoro já veio desvendar esse mistério? E como é que está o homem- máquina perfuradora, continua estatelado?
Por favor mãe, de-me notiícias. O facto de estar na cidade não significa estar desconectado da nossa tradição. Apenas é contra tempo que me faz ausente desses problemas, mas sabes que sempre que consigo biscateiar algum tempinho, encurto essa distância e apreço-me aos teus beijinhos, já que o abraço por nossa tradição é proíbido, isso é coisa de homem para homem.

Para terminar, gotaria tambem de saber, como é que estão as tuas machamabas? Será aquele homem de tracção animal conseguiu lavrar aquela parte que tinhas planos para semeiar milho e amendoím? Mãe, aprecio bastante a tua dedicação pelas machambas, semeias o teu suor sempre que o sol raia. Mas nao precisas exagerar muito, está? Gostei imenso ter revistado aquele ambiente de casa, embora não pudesse ficar mais tempo. Da próxima tento programar alguns dias para ficar mais um tempinho, penso que há muita coisa que precisamos partilhar.

Um beijo para ti! Adoro-te tanto, minha deusa!!!

Do teu sétimo filhote,

Joaquim Chau

Sem comentários:

Enviar um comentário

Participe, sejas prudente!